Informe n.º 641


POVOS INDÍGENAS DIVULGAM MANIFESTO DURANTE CONFERÊNCIA TERRA E ÁGUA

“Lamentavelmente o governo de Luiz Inácio Lula da Silva priorizou nestes dois anos as relações com os setores oligárquicos dos estados, com os políticos conservadores e com as elites do campo, das cidades, do sistema financeiro. Estes segmentos colocam obstáculos intransponíveis para a implementação de ações governamentais destinadas à demarcação das terras, à reforma agrária, à proteção do meio ambiente, à agricultura familiar, à justiça e paz no campo”. Na manhã de hoje, dia 25, os 180 indígenas que participam da Conferência Nacional Terra e Água: Reforma Agrária, Democracia e Desenvolvimento Sustentável apresentaram um manifesto criticando a atual política indigenista.

A Conferência acontece desde segunda-feira, dia 22, em Brasília, e termina hoje, dia 25, com uma marcha até o Banco Central, em protesto contra a política econômica do governo Lula.

Os indígenas estão reunidos com nove mil trabalhadores rurais, atingidos por barragens e militantes de movimentos do campo brasileiro. O objetivo da Conferência, organizada pelo Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo, foi discutir o modelo de desenvolvimento do país, as perspectivas para a reforma agrária e para o uso da água, além de aproximar os diversos movimentos sociais para planejar lutas conjuntas para o ano de 2005. “Esta é a primeira assembléia de camponeses e organizações do campo, reunidos para olhar a realidade e propor o amanhã para o campo e para o Brasil”, afirmou Dom Tomás Balduíno, presidente da Comissão Pastoral da Terra, na abertura do evento.

A Conferência foi marcada pela presença de debates sobre acontecimentos recentes, como o assassinato de cinco trabalhadores sem terra em um acampamento do MST em Minas Gerais e a violência em Roraima, onde um indígena foi ferido e quatro comunidades foram destruídas. Nos dois atentados os fazendeiros atearam fogo às moradias, deixando cerca de 200 famílias desabrigadas.

Mas o evento foi marcado também pelas ausências de representantes do governo federal. José Dirceu, ministro da Casa Civil, Luiz Dulci, da Secretaria-Geral da Presidência e o próprio presidente Lula estavam confirmados nas mesas de debate e cancelaram a presença durante o encontro, gerando descontentamento entre os participantes. A ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, esteve presente e foi vaiada ao defender o projeto energético do governo, baseado em energia hidrelétrica.

Em uma “Carta de Compromisso” divulgada hoje, os participantes se comprometeram a voltar para suas cidades e debater, com toda a sociedade brasileira, a atual política econômica e os modelos agrícolas em disputa, a lutar contra a monocultura e defender suas sementes, água, rios e biodiversidade. A luta contra a ALCA, contra a OMC em defesa de um projeto nacional de desenvolvimento com prioridades para a distribuição de terra e de renda foram outros pontos do compromisso.

Os trabalhos de ontem, dia 24, foram iniciados com uma mística organizada pelos indígenas. No centro do ginásio e divididos em pequenos grupos, cada um dos povos presentes fez trechos de suas danças tradicionais, que representaram a diversidade entre os povos indígenas. Depois, os grupos formaram uma grande roda, simbolizando a aliança entre os povos e com outros movimentos sociais.

O manifesto indígena

Os representantes de 35 povos indígenas que assistiram aos quatro dias de debate afirmam que a política indigenista do atual governo tem se pautado “pela omissão diante das violências praticadas contra nossos povos, pela negligência aos nossos direitos constitucionais e pela falta de interesse em estabelecer um processo de diálogo para a estruturação de uma nova política indigenista. Pelo contrário, o governo promove e incentiva a criação de comissões para discutir e pensar políticas para os povos indígenas, compostas por pessoas e autoridades que se manifestam contrários aos nossos direitos constitucionais”.

Para os índios, o governo contribuiu para que se agravassem os conflitos em terras indígenas ao abrir espaço para que fazendeiros, garimpeiros, grileiros, madeireiros e arrozeiros se articulassem e promovessem “invasões sistemáticas em nossas terras, saqueando as nossas riquezas, destruindo nossas matas, poluindo e envenenando nossos rios e lagos, devastando a nossa biodiversidade, destruindo nossas culturas e matando nossa gente”.

Nos últimos dois anos, 40 indígenas foram assassinados, a maioria em função da luta pela terra. O documento cita os casos dos Cinta Larga, em Rondônia, e de Marãiwatsedé, no Mato Grosso, terra onde vive o povo Xavante que, neste ano, voltou a enfrentar o aumento da mortalidade infantil

“Nos estados do Sul do Brasil o Povo Guarani luta intensamente pela demarcação de suas terras, nas quais não podem mais entrar porque estas foram cedidas pelos governos para a colonização e para o latifúndio ou em função da sobreposição de unidades de conservação ambiental. Hoje dezenas de comunidades vivem acampadas entre as cercas de grandes fazendas e as estradas, sem direito de acesso a terra mãe. No Nordeste são mais de sessenta povos que reivindicam a posse da terra, sendo que dos 490 mil hectares que lhes são de direito, apenas 88 mil estão em processo de regularização. Nessa região também somos vítimas de projetos equivocados como a transposição do Rio São Francisco. No Centro-Oeste nossas terras são invadidas com a construção de hidrovias e pelo processo de devastação de nossas matas para a implementação das grandes plantações da soja, atendendo a demanda do agronegócio. No Mato Grosso, milhares de hectares de terras são desmatados para o plantio da soja, sendo que muitas destas terras são indígenas. No estado do Tocantins, o Povo Krahô-Kanela foi brutalmente expulso de suas terras e obrigado a viver durante décadas em assentamentos do Incra. Hoje esse povo luta pelo direito às terras que lhes foram saqueadas e entregues a latifundiários”, afirmam.

O documento critica também a política energética, que tem “como base a privatização das empresas e das águas e a construção de barragens e hidrelétricas que destroem o meio ambiente, inundam terras ancestrais, desalojando povos indígenas, comunidades quilombolas e de pequenos agricultores”. Segundo dados do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), a construção das hidrelétricas já expulsou um milhão de pessoas e inundou 34 mil km2 de áreas de florestas.

Funai conta 229 terras indígenas a menos que o Cimi

Segundo dados do Cimi, há no Brasil 842 terras indígenas. Esta listagem dá conta de 229 terras a mais do que as que constam na lista da Fundação Nacional do Índio, o órgão indigenista oficial. A lista é baseada em dados das 114 equipes do Cimi que trabalham diretamente com os povos indígenas e em dados oficiais. Os números foram apresentados pelo vice-presidente do Cimi, Saulo Feitosa, que participou do debate “Realidade e perspectivas para o campo brasileiro”.

Apenas 37% destas 842 terras tiveram seu procedimento de demarcação concluído, isto é, foram demarcadas, homologadas e possuem registro no Serviço de Patrimônio da União ou nos cartórios de Registro de Imóveis onde se localizam.

As terras que não constam da listagem da Funai não recebem qualquer indicação do governo quanto à possibilidade de virem a ser demarcadas. “Esta realidade perpetua a situação de invasões de terras e intensificação dos conflitos pela posse da mesma, agravando o quadro de violência contra os povos indígenas”, afirmou Feitosa.

QUATRO COMUNIDADES INCENDIADAS EM RAPOSA SERRA DO SOL. UM INDÍGENA FOI BALEADO

Fazendeiros destruíram as aldeias Jawari, Homologação, Brilho do Sol e o retiro São José, na terra indígena Raposa Serra do Sol, em 23 de novembro. O indígena macuxi Jocivaldo Constantino foi atingido por dois tiros, um na cabeça e outro o braço.

As comunidades foram invadidas por cerca de 40 pessoas. Eram rizicultores, fazendeiros e índios por eles cooptados, que derrubaram e tocaram fogo nas casas, destruíram as plantações e fecharam as estradas de acesso à região.

Segundo informações do coordenador do Conselho Indígena de Roraima, Jacir José de Souza Macuxi, há um indígena desaparecido, Nelson da Silva. Os documentos dele foram encontrados próximos à aldeia Jawari e havia sangue no local.

Durante a invasão, 35 pessoas, entre adultos e crianças, estavam naquela aldeia. Eles não puderam retirar das casas objetos pessoais, alimentos ou roupas. “Derrubaram e queimaram tudo”, explicou Júnio Constantino, irmão do indígena baleado.

Foram reconhecidos, entre os homens que atacaram os índios, os rizicultores Paulo César Quartieiro - maior latifundiário da região e prefeito eleito do município de Pacaraima -, Ivo Barelli e Ivalcir Centenário, além do posseiro conhecido por ‘Curica”. O grupo derrubou, com tratores, 10 casas de alvenaria e depois ateou fogo em 13 casas com cobertura de palha.

Uma comitiva formada por 14 líderes da Raposa Serra do Sol, que está em Brasília participando da Conferência Terra e Água, procurou a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDH) para pedir apoio na investigação dos atos violentos. A CDH aceitou o requerimento e vai agendar uma visita às aldeias destruídas.

Em nome da comitiva, a advogada do CIR, Joênia Wapichana, também solicitou ao Assessor Especial da Presidência, César Alvarez, uma força-tarefa federal permanente para evitar novos conflitos. Alvarez informou que havia requerido apoio do Exército Brasileiro para manter a ordem na região até que um efetivo da Polícia Federal fosse deslocado para apurar as denúncias.

Contatado pelo líder Macuxi, Júlio José de Souza, o presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes disse que vai “fazer o possível para evitar mais conflitos e cobrar rigor da Polícia Federal nas investigações”.

Para o CIR, “este e outros atos violentos praticados pelos latifundiários são conseqüência da demora do presidente da República em assinar a homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol, cedendo assim a pressão de setores anti-indígenas de Roraima. Desde junho deste ano, as autoridades brasileiras foram alertadas para a iminência de conflito na terra indígena, mas nada foi feito para evitá-los”.

Brasília, 25 de novembro de 2004.
Cimi – Conselho Indigenista Missionário


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