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Informe n.º 524 |
A recente canonização de Cuauhtlatoatzin Juan Diego, o primeiro santo indígena católico da história, oficializada no dia 31 de julho pelo Papa João Paulo II na sua quinta visita ao México, enseja profundas reflexões sobre a relação dos povos indígenas do continente com a Igreja e com os conquistadores europeus.
Um enorme retrato de Juan Diego foi levado para a Basílica de Guadalupe, na cidade do México, onde a cerimônia se realizou, mas muitos mexicanos acharam que a sua figura se parecia mais com a de um conquistador espanhol do que com a de um indígena.
O padre Eleazar López H., indígena zapoteco, escreveu um artigo sobre a canonização de Juan Diego, chamando-o de "santo índio rebelde". Segundo Eleazar, em vez de Diego ter-se convertido à Igreja, o que aconteceu foi que a Igreja se converteu, na pessoa dele, aos povos indígenas e aos seus valores. Esse é que seria o sentido mais fiel de sua canonização.
De acordo com Eleazar, Juan Diego é um modelo de santo diferente porque ele só se tornou cristão aos 57 anos, "de modo que sua identidade profunda, a que os antigos mexicanos chamavam "rosto e coração", não foi moldada pelo contato com a Igreja, senão pela cultura e pela fé pré-hispânica de seu povo". Por isso, "ao batizá-lo, a Igreja não lhe deu a santidade, mas consagrou e ratificou, como obra de Deus, sua bondade humana anterior à presença cristã e sua santidade de vida".
"Durante a época colonial – escreveu Eleazar –, e até muito recentemente, entrar na Igreja exigia, de fato, a renúncia total aos esquemas próprios de fé deixando na porta dos templos cristãos os penachos, as penas, os chocalhos, o tambor e os adereços festivos, a língua, enfim, até a própria alma para revestir-se do novo esquema, à maneira do conquistador. Aqueles que se submeteram a esta lógica implacável, renegando a própria, certamente tiveram que enfrentar seus irmãos índios e muitos sucumbiram em suas mãos, na defesa da nova fé e, por isso, são santos para a Igreja. Porém hoje cabe perguntar-nos: é esse o único caminho que a Igreja apresenta aos povos indígenas para ter acesso a Jesus Cristo e a seu Evangelho"?
O próprio Eleazar responde negativamente a essa questão. E diz que a canonização de Juan Diego oferece a oportunidade para uma nova postura tanto por parte do Estado mexicano como da Igreja na sua relação com os povos indígenas daquele país. Para o Estado, "esta é a hora de construir um México e um mundo onde haja um lugar digno para todos e para todas", o que implica necessariamente o "cumprimento dos acordos pactuados com as comunidades índias, a aprovação de leis, estruturas e mecanismos, que reconheçam e viabilizem a composição de um estado verdadeiramente pluricultural e pluriétnico, e que respondam cabalmente às exigências de nossos povos". À Igreja cabe "colocar em marcha as decisões conciliares sobre o surgimento das igrejas autóctones, o decidido apoio aos processos índios dentro da instituição, como o diaconato indígena, a teologia índia, dos ministérios autóctones, a liturgia inculturada".
No Brasil, um exemplo semelhante ao de Juan Diego é a do grande líder dos Guarani, Sepé Tiarajú, que estudou com os jesuítas dos Sete Povos das Missões, e comandou a resistência armada de seu povo contra as tropas espanholas e portuguesas em São Miguel. Foi morto em 1756 junto com 1.500 companheiros. Desde então passou a ser chamado de São Sepé, canonizado por seu próprio povo, em reconhecimento à firmeza com que defendeu os seus interesses, valores e autonomia. Sepé morreu gritando: "Esta terra tem dono! Recebemo-la de Deus e São Miguel! Somente Eles poderão nos deserdar!"
Ataques contra os direitos constitucionais dos povos indígenas continuam sendo desferidos por setores conservadores do Congresso Nacional. Nessa quarta-feira, 7 de agosto, o Senado Federal realizou a segunda sessão de discussão da proposta de emenda constitucional de autoria do senador Mozarildo Cavalcante (PFL-RR), que torna obrigatória a homologação pelo Senado dos processos de demarcação das terras indígenas.
O senador Mozarildo, conhecido por se opor aos direitos dos povos indígenas, justificou a proposta dizendo que hoje a demarcação dessas terras seriam feitas arbitrariamente pela Funai. Na verdade, o que ele propõe é uma mudança fundamental do disposto no artigo 231 da Constituição Federal, que reconhece como originário – isto é, constituído antes da chegada dos europeus ao país – o direito dos povos indígenas às suas terras. A Funai, portanto, não cria ou inventa essas terras, como alega Mozarildo. O órgão indigenista oficial apenas efetua um procedimento administrativo para fixar os seus limites, em respeito à determinação constitucional de que "cabe à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens".
A proposta de Emenda Constitucional do senador Mozarildo, que também fixa limites para a extensão dos territórios indígenas e de unidades de preservação ambiental, atende a grandes interesses econômicos de madeireiros e firmas de mineração que atuam na Amazônia brasileira. O relator do projeto, senador Amir Lando (PMDB-RO) é favorável à proposta, que é amplamente condenada por senadores do Partido dos Trabalhadores, como Marina Silva (AC) e Eduardo Suplicy (SP), por organizações indígenas e indigenistas, por entidades ambientalistas e de defesa dos direitos humanos.
Brasília, 8 de agosto de 2002.
Cimi – Conselho Indigenista Missionário
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